quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Capítulo I - O Pintor

1ª Parte

Os seus olhos abriram-se num repente, por entre a suave escuridão do aposento. Um aperto estrangulara-lhe o coração numa rajada fria que lhe arrepiou os cabelos.

Levantou-se ansiosa da sua cadeira e aproximou-se da janela envidraçada que a deixava perscrutar a noite negra, encoberta num lençol de nuvens obscuras. Abraçou-se a si mesma, sentindo o veludo suave do seu vestido. O seu rosto pálido de beleza estava marcado pela preocupação.

Onde estava ele? Porque se demorava?

*

O pôr-do-sol marcava-se no horizonte, vertendo-se por ele até, por fim, desaparecer. Um longo mês decorrera desde que o seu coração se destroçara pedaço por pedaço. Mas a culpa fora sua. Como não suspeitara? Era um humano, como todos os outros. Iludira-se, contra tudo e todos para repousar as seu lado e sentir os seus ternos beijos numa pele já e para sempre gélida. No entanto, fora vão o amor que florescera dentro do seu peito. Raphael desaparecera adormecido no embalo dos braços de outrem.

Uma lágrima escarlate de dor e mágoa deixou-se escorregar lentamente, acompanhando a descida do Sol no seu esplendor de decadência. Simplesmente, desapareceu...

Três bateres na porta interromperam os seus pensares, levando-a a limpar a lágrima fugaz que se tinha escapulido, com um lenço de algodão rendilhado.

- Sim? – Perguntou, voltando-se para trás.

A porta abriu-se silenciosamente dando a revelar quem a perturbara. Era uma das raparigas da criadagem. A sua tez era tão pálida quanto a sua e os seus trajes eram simples mas limpos, como o seu pai exigia. Todos tinham que obedecer às mais severas ordens, e quem não o fizesse, sofreria as consequências. Tal como lhe acontecera.

- Menina Adamina, o seu pai pergunta se já se encontra pronta. E pede para que desça, o coche já chegou para levar vossas senhorias ao banquete do Grão-duque.

- Sim, desço de imediato – respondeu vagamente Adamina, voltando a olhar pela janela. Fora ali que esperara por ele...

Respirou fundo. Não podia continuar a mergulhar nas profundidades do que já não poderia existir, do que se esvaíra pelos interstícios do engano e da traição.

Pegou na sua pequena mala de mão relutantemente. O Sol tinha desaparecido.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Prólogo

Nas ruas de Praga medieval.

Uma sombra deslizou pelo beco.

Sentiu-se estremecer, entorpecido pelo medo, mas tentou mentalizar-se de que nada o perseguia. Em breve estaria em casa, com sua doce Adamina nos braços. Um sorriso surgiu-lhe nos lábios, e tornou-se mais fácil enfrentar a escuridão que o rodeava. Nunca tivera medo das trevas, seria irónico começar a temê-las agora.

Mais uns minutos, não tardaria. Outro arrepio, desta vez mais profundo. Estava a ser seguido, decerto. Os tijolos da parede da casa ao seu lado ensombraram-se; fitou o céu. As estrelas, brilhantes lanternas cintilantes, e a lua, com a sua circularidade perfeita, foram cobertas por nuvens escuras, escondendo a iluminação natural. Como prenúncio da destruição que se adivinhava.

Prevendo-a, em parte, começou a correr, cegamente, os seus sentidos iludidos pelo terror, o coração embatendo, com força, no peito. Sabendo que de nada lhe valeria tentar enfrentar o que o perseguia, fugir era a única forma de sobreviver.

Adamina. Uma imagem de uma jovem assaltou-o, como aviso final. Não escaparia, sabia-o agora, ainda que não deixasse de correr. Tropeçou, continuou. Era, inevitavelmente, a presa. E o caçador não se encontrava muito atrás. Não era humanamente possível enfrentá-lo.

A noite era sombras, e as sombras eram o seu inimigo, e os segundos pareciam roubar-lhe, cada vez mais, o fôlego.

Estacou, ao faltarem-lhe, definitivamente, as forças. Apenas via, à sua frente, um torvelinho de linhas negras. Apoiando-se à parede de uma casa, lutou por ar.

Uma figura alongou-se à sua frente, ganhando forma humana. Era, contudo, mais alto do que seria de supor de um humano. Sim, porque não era um humano, e ele sabia-o. Mas a sua doce Adamina também não o era, e, ainda assim, ele amava-a.

O vulto envergava vestes negras, mais tenebrosas que as sombras que os rodeavam, tão escuras quanto o seu cabelo. Este contrastava com a pele. Oh, quão pálida! Recordava-lhe a da sua amada, mas Adamina tinha cabelos de um loiro brilhante, estrelado.

Suplicar. - Não me mates. Por favor.

Como resposta, o vampiro à sua frente aproximou-se com movimentos felinos. Lânguidamente, encostou a sua boca, de carnudos lábios vermelhos, ao seu pescoço.

Num murmúrio sedutor, antes de o morder, sussurrou-lhe ao ouvido. - Serás a tinta mais rubra da minha paleta.