sábado, 1 de novembro de 2008

Capítulo II - O Pintor

4ª parte

O pintor de juventude indescritível estendeu-lhe a mão enluvada, para, numa cortesia que resplandecia na sua beleza, a auxiliar a erguer-se na cadeira que impedia que a jovem pudesse ter qualquer tontura que a obrigasse a tombar, devido ao tão imenso nervosismo que a acometia. Aceitou-a, sentindo o veludo negro da luva afagar-lhe a mão. Seria a sua pele tão macia quanto aquela cobertura que a cobria? Almejava sentir o seu toque, a frieza que lhe era destinada.

E porque não a deixava ele de fitar? Começava a imaginar que poderia haver algo de errado com a sua ebúrnea face. Quiçá o rubor que fazia questão de não a abandonar. Inspirou fundo, evitando que tal acto se notasse. Necessitava de manter o controlo.

Ergueu-se, evitando cruzar o olhar fosse com quem fosse. O seu constrangimento era por demais óbvio e a última coisa de que precisava era que o seu austero pai se percebesse de tal, isso se não tivesse já reparado. Porventura, quando o pintor se retirasse, ouviria uma severa descompostura.

A mão de Amapoullo abandonou a sua, após se ter endireitado, o que lhe custou uma sagaz desilusão. Apesar do pouco à-vontade, desejava que aquela mão continuasse junto à sua, envolvendo-a protectoramente, apesar daquele perfil esbelto e elegante lhe fazer lembrar o mais perigoso predador da noite. E não era o que todos eles eram? Seres nascidos da pureza da noite, caçadores da Vida que se eternizava num último suspiro. Talvez fosse por isso que Raphael a abandonara, talvez…

O rubor desapareceu subitamente da face de Adamina, como se todo o sangue que lhe corria nas veias, e que nunca seria seu, tivesse sido irremediavelmente sugado. Outra vez a memória de Raphael… Por que não desaparecia ele do seu espírito? Acusá-la-ia de o trair por se sentir inevitavelmente presa ao negro olhar do pintor? E que moral tinha ele para a acusar? Fizera o mesmo, ou pior. Ele sim, apunhalara o seu imenso amor, quando ele se elevava ao expoente máximo. Raphael, simplesmente, assassinara-a.

- Senti-vos bem? – A voz suave e mergulhada em delicadeza do pintor interrompeu os pensamentos que a atacavam dia após dia sem descanso, estremecendo-a como faria uma mera brisa num álgido dia de Inverno. Adamina voltou o seu profundo olhar de safira para o enigmático vampiro, e depois fitou o pai de lado por segundos. Como sempre, a sua face não transparecia qualquer sentimento, que não fosse a reprovação.

- Sim, sinto. Perdoe-me o tempo que vos faço perder por entre as minhas divagações – murmurou, descaindo um pouco a cabeça para o lado, de formar a não captar o olhar de nenhum dos dois.

Apesar de Adamina não o poder ter visto, Amapoullo sorriu para si, após aquela resposta. Admirava tão bela e primorosa dama que se deixava cair na abolia de um sentimento. Pois ele sabia-o, sabia que tão triste alma não poderia assim ser sem nenhuma razão aparente. No entanto, isso também o apoquentava. Tão doce flor não deveria sangrar do coração.