segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Capítulo II - O Pintor

5ª Parte

Adamina fechou os olhos ao tomar lugar na cadeira onde seria retratada; veludo carmim, debruado a ouro, com belas franjas que drapejavam até ao chão marmóreo. Sentia-se inibida em sua casa, e a culpa era, pois, da presença de Amapoullo. Era ele que fazia fraquejar as suas pernas, era ele que fazia com que o tempo esticasse e encolhesse a seu bel-prazer, era ele que sorria candidamente e que a hipnotizava. Oh, belos olhos negros da cor do fim do mundo.

— Senhora, poderia pedir-vos que vos sentásseis encarando o candeeiro? — A sua voz aveludada deslizava por si e arrepiava-a. — Gostaria de ver vossa excelsa face iluminada.

Sem palavra, Adamina aquiesceu, com um ínfimo suspiro. Rodou no lugar para receber a luz no rosto. Sentisse frio, diria que era por isso que tremia. Mal reparou em seu pai, fitando-os austeramente, de corpo hirto e direito, os olhos obscurecidos pela sombra onde se encontrava. Naquele momento sentiu uma indecisão apoderar-se de si. Metade do seu ser queria que o pai permanecesse onde estava, que não se afastasse dali, que a não a deixasse só com aquele ser, aquele encantador. Tinha medo, sabia-o, mas não compreendia a razão. No seu âmago, contudo, queria que o pai os deixasse, que partisse, que não voltasse, queria ser tomada nos braços níveos e maravilhosamente frios do homem que espalhava as tintas pela paleta, o cavalete montado à sua frente, o sorriso perfeito nos perfeitos lábios.

Conseguiu forçar os seus olhos a moverem-se, hesitantes, a olharem a sala que sempre quisera conhecer mas que, naquele momento, se eclipsara da sua atenção, tão pouco importante quando comparada com o soberbo ser diante de si. Os retratos olhavam-na do alto, com feições tão altivas quanto a do seu pai, tão belas quanto a sua. Nenhum dos posantes que emprestavam o corpo às pinturas sorria; era como uma severidade presente e constante que percorria a sala. Não ousou, ela mesma, sorrir.

Contudo, o artista tinha outra vontade. — Senhora, dar-me-ia o prazer de sorrir?

Pensou que o seu pai interviria para o impedir de lhe pedir tal coisa, que tal não se adequaria à Sala dos Retratos, mas ele permaneceu silencioso e sisudo e Adamina sorriu, ou tentou fazê-lo. Emprestou os seus dentes à luz, ergueu os cantos dos lábios, tentou até fingir alegria, mas para um pintor, cuja arte mostra a alma, uma fachada não serviria.