- Mantenha o seu sorriso, doce senhora, que irei iniciar a minha obra – pediu, num sussurro calmo, todavia um sussurro onde estava encoberto o desejo de ir mais além e prender naquela sua tela, mais do que um mero sorriso, mas toda a essência de uma alma. – Permita-me desfrutar da minha arte, nesta efémera hora, o que nunca poderei desfrutar em toda a vida que não possuo. E poderá assim vosso honrado pai permitir que mais floreios sejam eternizados a tinta, pelo pincel que seguro e que só anseia retratá-la, nobre donzela.
O que almejava Amapoullo, com tais ditos, esses sim tão pintados, se disfarçados, nas cores com as quais a retrataria? Os cantos dos lábios ergueram-se suavemente, enquanto os olhos novamente se dirigiam à luz alaranjada do candeeiro, que tremeluzia esporadicamente, açoitada por uma brisa cadente de inexistente. Fora isso que pedira, anteriormente. Inspirou profundamente, tentando ocultar o nervosismo, no entanto o ar inspirado deteve-se no interior dos pulmões, quando novamente o pintor se lhe dirigiu.
- Sorria, mas olhe para mim. – Aquela abrupta mudança de vontades, tão inesperada, destabilizou-a ainda mais. Não desejava fitar aqueles orbes de obsidiana. Ou desejava. Porém, temia que pudesse o pintor vislumbrar os seus pensamentos, retratando-os na sua tela, em vez de pintar o que era devido e pedido, senão ordenado. Que lhe estava ele a fazer, tornando as suas escolhas tão incrivelmente dolorosas?
Não demonstrou os pensamentos latentes em si, quando o seu rosto ebúrneo se voltou para ele, um sentimento pululando dentro do coração que não pulsava, ao absorver toda aquela enigmática beleza.