sábado, 31 de maio de 2008

Capítulo II - O Retrato

2ª Parte

A campainha fez-se ouvir tenuemente vinda da distante entrada da Mansão. O seu coração sobressaltou-se com a estridência. O pintor havia chegado, sabia-o. Não tardaria a serviçal guiá-lo-ia até aquela ampla sala de estar, onde posaria horas e horas, mais do que seria permitido a qualquer ser humano, pois ela já não o era.

O seu espírito suspirou, enquanto os atentos ouvidos escutavam os simples sapatos de Amália a percorrer o corredor pálido onde ornamentos lhes acenavam soturnamente: retratos de antepassados, tapeçarias antigas de culturas mortas e armas já não utilizadas mas que de certo continuariam a deter um perigo mortal nas suas afiadas lâminas. Contudo, só os seus passos se ouviam, não mais, e isso dizia muito. O artista era um como eles.

Endireitou-se o mais que pôde na cadeira de estofos aveludados. Com certeza o seu pai quereria que se mostrasse digna do título que ostentavam.

Um leve bater à porta de carvalho fez-se anunciar e seu pai autorizou a entrada no seu tom sempre álgido. A criada abriu-a e comunicou que o senhor Patrick Amapoullo chegara. Desviou-se, dando-lhe espaço para entrar, com uma vénia servil.

O coração de Adamina parou momentaneamente para, de seguida, o seu batimento pulsar célere. Conseguiriam escutá-lo, quase a querer saltar-lhe do peito? Esperava sinceramente que não. Tentou inspirar calmamente e serenar a respiração.

O homem que entrara vestia-se de negro. Uma casaca comprida caía-lhe até perto dos joelhos e as luvas pretas ocultavam as mãos ebúrneas de sensíveis dedos. Era alto e os seus olhos negros como ébano possuíam um certo toque felino. O sorriso ténue, porém marcante, na face angelical, recordava-lhe o baile de alguns dias atrás. Era ele, o cavalheiro que a convidara para dançar e de quem fugira como uma donzela assustada, sem qualquer argumento justificativo.

Fez uma semi-vénia ao conde e aproximou-se para lhe beijar a mão. Um arrepio percorreu-a quando os seus olhos se cruzaram e os lábios do pintor tocaram levemente na sua mão.

- É um eterno prazer revê-la, jovem senhora – declarou, educadamente.