sábado, 28 de junho de 2008

Capítulo II - O Retrato

3ª Parte

As palavras ficaram-lhe retidas na garganta, com entraves que nem ela saberia definir. Sentia o olhar do seu pai em si, recriminando-a austeramente pela sua falta de delicadeza, mas a sua atenção estava centrada no cavalheiro à sua frente. Nos seus olhos-obsidianas, que, fossem, de facto, pedras, dariam obras de joalharia de incalculável valor.

Encontrou, finalmente, voz, enrodilhada no torpor em que se vira submersa. - Igualmente, caro senhor. Não vos tomava por pintor.

O sorriso persistia, como de uma permanente sombra que lhe torcia a face numa máscara de beleza. Ainda mais beleza. - Fico extasiado por ter como musa tão doce dama. Acreditai quando digo que sois a mais bela donzela que tive a honra de pintar.

Cria que as suas faces não poderiam tornar-se mais rubras e, com medo de dizer algo errado, acenou apenas, desviando o olhar daqueles olhos penetrantes.

O seu pai elevou a voz. - Senhor Amapoullo; a minha filha, Adamina Doriane. - Antes que o pintor pudesse dizer algo, prosseguiu. - Espero que esteja pronto para começar, a Sala dos Retratos está preparada.

A Sala dos Retratos. Adamina sentiu um estremecimento percorrê-la, um prazer secreto de antecipação. Nunca fora autorizada a entrar na sala, onde eram pintados, ao longo de gerações, os retratos da família Doriane. Deslumbravam-na todas as sedas e veludos que ornavam as paredes figuradas nos quadros, quase tanto como as faces pálidas, elas mesmas semelhantes a tecidos, lisas e belas.

Oh, e na sala com tal pintor, tal artífice de mãos d'ouro, prata, pedras preciosas, que se dizia fazer com tal perícia retratos que eram como espelhos da alma.

Ficaria a sua alma gravada a tinta em tela?